Roberto Robaina
O governador Tarso Genro escreveu um longo artigo sobre as relações entre a moral, a ética e a política. Começa suas considerações mencionando as experiências de Robespierre e dos bolcheviques russos. Como qualquer pessoa que acompanha a política hoje sabe que o PT atualmente não tem absolutamente nada que ver com as ricas experiências da revolução francesa, tampouco com a revolução russa, vou me poupar de acompanhar Tarso em suas andanças por outros tempos. Concentro-me na parte para a qual ele realmente quer nos levar em seu esforço. Diz claramente:
“Um dos debates morais, de influência direta na política, que se trava aqui no Brasil no momento, está aberto pelo moralismo udenista, tanto promovido pela extrema esquerda anti-Lula, como pelo conglomerado demo-tucano. Trata-se da questão relacionada com a política de alianças, ou seja, a demonização do PT pela sua “abertura” na política de alianças. O ataque centra-se, principalmente, na consideração que o PT relaciona-se – para sermos delicados – com grupos e pessoas que tem métodos não republicanos de participação na gestão do Estado”.
Vamos antes acertar as palavras. Reconhecemos que o PSOL é um dos endereços que Tarso tenta criticar. Mas Tarso afirma, sem demonstrar, que somos a “extrema-esquerda”. O mais correto é que somos um partido de esquerda coerente. Tampouco é certo dizer que demonizamos o PT. Denunciamos, sem dúvida, as alianças que este partido tem feito. Mas usar a expressão demonizar é mais uma tentativa de desqualificar os críticos, já que identifica a política com ausência de racionalidade. E argumentos racionais sobram para desmascarar o PT. Finalmente, tenta comparar nossa política com o udenismo. Ora, esta é de longe a mais desqualificada afirmação. O udenismo representou uma política burguesa de direita contra Getúlio Vargas. Onde, quando, em que momento o PSOL teve uma política no sentido de apoiar golpes de direita contra o governo?
Somos o partido, por exemplo, que tem em sua trajetória uma luta clara contra o PSDB. No Rio Grande do Sul foram as ações do PSOL combinadas com as ações dos trabalhadores em educação que provocaram o desgaste do governo Yeda, principal representante do PSDB na história do Estado. As ações do PSOL foram depois capitalizadas eleitoralmente pelo PT, que ganhou as eleições seguintes diante do enorme desgaste do PSDB. Tarso foi diretamente beneficiado deste chamado voto útil que foi dirigido ao PT para evitar qualquer possibilidade de continuidade do governo Yeda. Que Tarso no governo tenha rompido seus compromissos de campanha com os trabalhadores em educação é uma prova de que os que estão realmente próximos de políticas como as do PSDB são os líderes do PT, não os seus críticos realmente de esquerda. Os exemplos poderiam se multiplicar pelo Brasil afora. Nas últimas eleições municipais, o caso mais emblemático foi no Rio de Janeiro, onde um consórcio envolvendo o PMDB e o PT ( com o claro apoio da Rede Globo) derrotou o candidato do PSOL, Marcelo Freixo, garantindo a continuidade de políticas que favorecem a especulação imobiliária e deixa soltos criminosos envolvidos com as milícias.
Mas Tarso é cuidadoso com as palavras quando se refere aos aliados do PT. Eles usam métodos ”não republicanos de participação na gestão do Estado”. Seus métodos são quais? Feudais? Monarquistas? Não, são os métodos corruptos de uma República burguesa decadente dominada pelo capital financeiro. É esta República que o PT resolveu defender. E para isso se alia a Renan Calheiros, Eduardo Alves, Paulo Maluf, José Sarney. Seus métodos “não republicanos” podem ser muito melhor definidos por adjetivos como corruptos e fisiológicos. Suas políticas são de defesa dos interesses mais reacionários, mais de direita, sempre contra os direitos e as reivindicações mais elementares do povo. E esta aliança tem sido feita não para defender as virtudes de um Robespierre ou os propósitos comunistas de um Lênin, mas para levar adiante um modelo que drena quase a metade do orçamento nacional para os cofres dos banqueiros. São alianças para defender o capitalismo brasileiro e a utilização de recursos públicos do BNDES para financiar a acumulação de capitais das oligarquias financeiras e industriais.
Nossos argumentos – racionais, portanto – nos levam a denunciar estas alianças e mostrar que por trás delas há a defesa dos grandes capitalistas e banqueiros. Por trás delas há uma clara tentativa da direção do PT de mostrar-se totalmente confiável para se apresentar como o principal gerente dos negócios capitalistas.
Mas Tarso ensaia um diálogo com a racionalidade quando diz: “ Eu penso que temos, sim, problemas sérios na composição das alianças, quanto à frequente ausência de parâmetros programáticos para realizá-las”. Então Tarso faz uma crítica ao PT ou faz uma autocrítica em relação ao seu próprio governo? O artigo não diz nada sobre isso. A afirmação serve apenar para que ele diga que “os argumentos moralistas da extrema esquerda são frutos de mero oportunismo político, pois compete ao partido hegemônico, nas alianças, impor seus critérios morais para tratar do interesse público nas coalizões de governo”. Ora, isso quer dizer o quê? Que as alianças sem parâmetros programáticos podem, apesar disso, ter critérios morais defensáveis porque o partido hegemônico, no caso o PT, pode impor seus critérios? Sendo a prática o critério da verdade, sabemos que não é isso o que ocorre. No caso do governo do Rio Grande do Sul, as ações do PTB certamente não estão de acordo com os interesses públicos da maioria do povo. Não é à toa que o vereador Cássio Trogildo está sendo acusado de usar recursos públicos da Secretaria de Obras do Município de Porto Alegre para conseguir votos na recente eleição municipal. O padrinho político de Cássio é secretário estadual de Tarso.
O fato é que a moral da direção do PT, faz algum tempo, não tem contradição séria com a moral e os interesses da classe dominante. Os dirigentes convertidos em defensores dos interesses burgueses se apressam também a ter uma vida de acordo com estes interesses. Não querem se sentir integrantes de uma classe social distinta, “um andar abaixo”. Anseiam pela mobilidade social. Querem sentir-se entre iguais quando compartem os hotéis e restaurantes de luxo com seus novos amigos. Sem a propriedade dos meios de produção, sem a posse de bancos, a corrupção e privilégios é um caminho do tipo atalho. Esta é a explicação para a multiplicação do patrimônio dos Antônios Palocci, dos Delúbios Soares e de centenas de outros dirigentes petistas. Os dirigentes do PT que assumiram responsabilidade na administração dos fundos de pensão fizeram este percurso de modo mais seguro e com mais sucesso. Foram os responsáveis por usar dinheiro público em associação com as grandes empresas privadas e na especulação financeira. Muitos deles eram os líderes sindicais bancários quando o PT ainda era um partido burocratizado da classe trabalhadora.
É certo, então, que o problema do PT está muito longe de ser apenas seus “métodos não republicanos” provados no escândalo do mensalão. Seu crime político é ter se convertido em defensor da classe capitalista. Junto com isso assumiu sua moral. E os seus métodos.
Roberto Robaina é presidente da Fundação Lauro Campos e membro da Executiva Nacional do PSOL