Fernanda melchionna |
Há pelo menos 10 anos a cidade de Porto Alegre não vive uma greve desta magnitude no transporte coletivo. Caos completo nas paradas de ônibus, lotações superlotadas e muita correria do povo para poder se deslocar. Piquetes repletos de rodoviários reivindicando negociação, melhoria de salário e das condições de trabalho.
Enquanto isso, o governo Fortunati, responsável pela gestão do transporte coletivo em Porto Alegre, tenta desqualificar a greve dos trabalhadores. A ATP e SEOPA, por sua vez, querem aproveitar a luta legítima dos trabalhadores para seguir com o corolário falacioso de que os empresários do ônibus trabalham no “déficit”.
Vamos aos fatos: Porto Alegre não tem licitação há 25 anos, ou seja, o sistema de transporte funciona à revelia da legislação, sem transparência e sem contratos. Desde 2011 estamos denunciando esta bandalheira. Uma auditoria técnica realizada pelo TCE em 2013 demonstrou lucros ilegais dos empresários, indícios de superfaturamento em vários insumos que impactam a tarifa de ônibus, verba de publicidade que deveria ir integralmente ao Plano de Saúde dos rodoviários sendo utilizado para outros fins, entre outras ilegalidades. Constatou-se, assim, que a tarifa deveria ser mais baixa do que o valor praticado.
Estes elementos, somado às mobilizações da juventude contra o aumento das passagens e a denúncia da Comissão de Negociação dos Rodoviários de que os aumentos não eram para os salários dos trabalhadores, mas para lucros abusivos dos empresários, foram os determinantes para que o ano de 2013 entrasse para história. Com tal mobilização popular, nossa ação jurídico-política foi vitoriosa no Judiciário, e a liminar obtida pelo PSOL em abril do ano passado reduziu as tarifas na cidade. A vitória de Porto Alegre inspirou jovens de todo o Brasil, culminando nas chamadas jornadas de junho.
Ora, o rito normal de aumentos de tarifas, no conluio entre prefeitura e empresários, foi alterado. Afinal, todo fevereiro a história era sempre igual: os empresários pediam aumento, a EPTC endossava, o COMTU votava de maneira relâmpago e o povo passava a pagar tarifas mais caras em menos de 24 horas. O argumento público para legitimar tal manobra sincronizada era de que os rodoviários precisavam de aumento salarial e, lamentavelmente, boa parte da população engolia esta ladainha. No entanto, os trabalhadores perderam salários ao longo dos anos. Para se ter idéia: segundo o DIEESE em 1994 o salário do motorista comprava 1184 passagens e em 2010 comprava apenas 611. O banco de horas consolidou-se como elemento de superexploração e sobrecarga de trabalho, mas a qualidade do transporte só piora ano a ano.
Os responsáveis pela greve são a verdadeira máfia que se instalou no transporte coletivo em Porto Alegre e a relação de omissão e subserviência do Paço Municipal a interesses privados. Enquanto isso, as declarações de Fortunati tratam de criminalizar os rodoviários, tentando jogar os trabalhadores no colo dos patrões, quando sua posição deveria ser exatamente a oposta. Deveria usar a autoridade e a caneta da prefeitura para obrigar os empresários a negociar com a categoria. Abrir as licitações ou avançar no transporte 100% por centro público. Denunciar que diante das vitórias do movimento de massas em 2013, as empresas não investiram na frota que anda mais velha e mais sucateada, ou seja, não perderam, mais uma vez, seus lucros abusivos. E afirmar que o aumento dos trabalhadores pode e deve vir do lucro abusivo do empresário.
Deveriam encampar a ideia da Comissão de Negociação de passe livre com 100% da frota funcionando, permitindo transporte a população e a sequência da mobilização da categoria.
O fato é que, enquanto não se avança no controle social, nas melhorias das condições de trabalho da categoria e na perspectiva de reduzir tarifas e melhorar a qualidade do transporte coletivo, os trabalhadores pagam o pato. Seja a categoria dos rodoviários massacrada por baixos salários, seja a população usuária de transporte coletivo que segue sem ter como se deslocar diante da intransigência dos patrões e da omissão da prefeitura.
Se as empresas estão em déficit, que abram as contas. Não há qualquer motivo para aumentar as tarifas enquanto sobram motivos para lutar por salários justos e transporte público de qualidade. O Prefeito falou em lua de mel entre empresários e trabalhadores. No entanto, o que precisamos acabar é com a lua de mel entre os empresários do transporte coletivo e a Prefeitura, que já está comemorando bodas de 25 anos do casamento entre a ganância e a omissão.
Fernanda Melchionna é vereadora pelo PSOL/Porto Alegre.
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