segunda-feira, 2 de julho de 2012

DEPOIS DE UM LONGO INVERNO, SEMPRE VEM A PRIMAVERA


por Maíra Tavares Mendes *
Quando eu tinha 6 anos de idade, tivemos um ano agitado – além de terem cassado o ex-presidente-agora-aliado-do-PT Collor, foi o ano em que aconteceu a ECO 92. Eu não lembrava da conferência com a clareza que me lembro da cassação (estávamos de preto, em luto, e eu marcava num papel os votos a favor da cassação enquanto assistia a TV), mas um professor, 10 anos depois, passou um vídeo na escola mostrando uma menina de apenas 12 anos, a mais lúcida delegada da Conferência da ONU. Fui procurar o vídeo para rever, e tive uma bela surpresa:
É impressionante que em plena Rio+20, a menina Severn Suzuki poderia entrar no Rio Centro e falar exatamente as mesmas palavras, mantendo a mesma atualidade. Passados 20 anos, a lógica do lucro acima da vida ainda nos deixa estarrecidos, e a Conferência da ONU, com as ausências de diversos chefes de Estado (como Obama e Angela Merkel, mais preocupados em salvar os bancos que o planeta) e a presença massiva de empresários atesta sua insuficiência, da qual o documento final “O Futuro que queremos” (http://tinyurl.com/bwqwx9g) se mostra tão genérico quanto ineficiente. Isto faz com que esta Rio+20 represente um verdadeiro retrocesso, uma vez que na ECO-92 ao menos algum compromisso baseado em acordos políticos entre Estados tenha sido estabelecido.
Muitos eventos paralelos à Conferencia oficial ocorreram, sendo o principal a Cúpula dos Povos. Apesar de ter chegado a uma carta final bastante progressista, é uma pena que a composição da Cúpula [em bom português, devido à presença de muitos movimentos e ONGs ligados ao governo federal] não permita uma crítica profunda e sem meias-palavras aos principais responsáveis pela devastação da vida no planeta, e no nosso caso específico, no Brasil. A chuva de financiamento federal e de alguns estados governados pelo PT e partidos aliados impediram que o documento apontasse efetivamente os responsáveis por políticas nefastas como Belo Monte, o avanço dos transgênicos, a implementação da siderúrgica TKCSA com isenções fiscais ilegais, a aprovação do Código (Anti)Florestal, os licenciamentos ambientais fast food, dentre outros.
A total ineficiência da Conferência, longe de ser obstáculo para aprofundar os mecanismos de apropriação da natureza, deixa uma lacuna aberta à sua mais profunda privatização, através da chamada “Economia Verde”. Tem muito empresário por ai que estava só aguardando sua ratificação via ONU para iniciar a implementação de um nebuloso mercado de certificação ambiental. A partir de agora vão multiplicar empresas que, por exemplo, se autodenominarão “tecnicamente capazes” de aferir o quanto se” deixou de poluir” ao plantar 3 mudas de eucalipto, enquanto seguem cortando as florestas com consentimento legal do Novo Código Florestal.
Para uma coisa, entretanto, esta Rio+20 foi muito eficiente: ela foi um teste para a cidade do Rio de Janeiro. Numa conjuntura em que uma série de eventos internacionais estão programados para ocorrerem no Rio, a Conferencia da ONU e seus eventos paralelos demonstram o total descaso com a população do Rio, cujas condições de infraestrutura tais como transporte, saúde, segurança deram outra vez sinais de sua falência cotidiana. A greve da educação, que atinge não apenas as universidades federais, mas também a UERJ e o Colégio Pedro II, a paralisação dos servidores da saúde, mostram o descaso com que os serviços públicos têm sido tratados. Foi isso o que a Marcha da Cúpula conseguiu bem traduzir: mais de 50 mil nas ruas do Rio, em defesa de um outro futuro, em que os bens públicos sejam realmente bens de toda a população.

Debate realizado pelo Juntos, na Cúpula, com Federico Castagnet, Chico Alencar, Fernanda Melchionna e Marcelo Freixo. Mais de 400 pessoas!
Entretanto o que mais chamou à atenção na Cúpula dos Povos foram os jovens, que compareceram aos montes. Mas dessa vez, apesar do ambiente semelhante aos Fóruns Sociais Mundiais, onde há espaço para todas as pautas e na prática não existe foco em nenhuma delas, algo em comum ficou muito forte nestes dias, sintetizado numa frase que não passou desapercebida: Nada Deve Parecer Impossível de Mudar. Muitas camisetas como essa foram vistas no Aterro do Flamengo, nas Marchas, nos debates. Pessoas que nunca se conheceram, reconheceram-se nesta frase. A gente se olhava com um sorriso de cumplicidade, como se dissesse “Sim, nós podemos”.
No dia 21 de junho, isto ficou ainda mais patente. Uma das maiores atividades da Cúpula, na primeira manhã do inverno carioca, teve mais de 400 pessoas rechaçando o oficialismo imobilista da ONU – e por vezes da própria Cúpula. Eram muitos que se acotovelaram na Tenda 22 para ouvir Marcelo Freixo, Chico Alencar, Fernanda Melchionna e Federico Castagnet (companheiro do MST da Argentina). Músicas, palmas, sorrisos e uma lágrima furtiva em um ou outro olho. Mas sobretudo a vibração: como ficar parado quando semear a Primavera é possível e necessário?
Os jovens árabes derrubaram governos, os europeus e chilenos seguem em luta, os canadenses do Quebec lançam seu canto aos quatro ventos. Na Grécia foi quase. No Rio nós devemos conseguir.
* Maíra Tavares Mendes é professora de biologia, mestre em educação e
militante do Juntos! RJ e do PSOL.

Nenhum comentário:

Postar um comentário