sexta-feira, 20 de julho de 2012

SOCORRO, PRONTO SOCORRO

Quando eu tinha doze anos tive que ir ao pronto socorro devido a uma reação alérgica, chegando lá me deparei com cenas que me assustaram. Alguns anos depois, inspirado nos fatos que vi, escrevi a crônica “Socorro, Pronto Socorro”. Triste é saber que quinze anos depois os problemas da saúde em Pelotas permanecem os mesmo.

SOCORRO, PRONTO SOCORRO
Por Julio Domingues

Esporadicamente vê-se nos noticiários brasileiros a vida por entre os corredores de nossos hospitais públicos. Em geral são imagens desfocadas, fruto de câmeras escondidas, mas mesmo estas podem captar angustiantes momentos. Como a ultrajante permanência nos corredores de um hospital, nada mais absurdo do que receber atendimento nestes mesmos corredores em macas, cadeiras escolares, em pé ou no chão mesmo. A regra das disposições por paciente é conforme a gravidade da situação, ou seja, o paciente em situação mais delicada ficará deitado em uma maca, nada mais obvio. No entanto o corredor é o leito por tempo incerto, tempo esse que em um hospital quanto mais você passa mais angustiante lhe é, a começar pela sala de espera.
Em situação não muito recente permaneci um considerável tempo na sala de espera de um Pronto Socorro, o que me oportunizou ver suntuosos lances como: pernas quebradas, de tal forma que eu não consiga imaginar que um dia será reconstituída, homenzarrão com ferimento na cabeça escondendo-se para não o verem chorar, ou ainda mães em desespero com seus filhos convalescendo em seus braços.
É, e a espera continua... Porque a lógica de atendimento é por ordem de desgraça (ou melhor, dizendo gravidade) e não por ordem de chegada. Nada mais justo, mas isso traz em mim (que fui ao PS por simples problema alérgico) um sentimento de culpa por estar ocupando tempo e espaço de outra pessoa com problema pior. Sentimento reforçado pelo médico, orientando que eu deveria ter procurado o posto de saúde do meu bairro.
Bom! Minha resposta é única: Se a alergia tivesse me avisado de sua chegada eu teria agendado uma consulta – com duas semanas de antecedência - para este referido dia. Pois no “Postinho” do meu bairro é assim: consulta, só agendando com no mínimo duas semanas de antecedência. Depois de mais um “quando for assim não venha ao PS,” - afirmativa do profissional da saúde, que eu entendo e concordo perfeitamente - veio o diagnostico e a receita, e me resta trilhar corredores até a saída em que observo cenas que certamente ocorrem diariamente nos corredores: o paciente que reclama da demora em seu atendimento e o médico e/ou enfermeiro que se justifica: - Estou fazendo o trabalho de três.
E a situação é exatamente esta, é difícil fazer milagre. Tenho a ligeira impressão que deve ser complicado trabalhar num espaço insuficiente, com menos profissionais que o necessário, escassez de material, reclamações constantes e ainda executar com agilidade, destreza e eficiência as tarefas que dizem respeito a nada mais nada menos que a vida de seres humanos. Que profissão difícil!
 Ao ver os profissionais da saúde em um Pronto Socorro, lembro-me do personagem James Bond, reconhecido por realizar, tarefas das mais absurdas, extraordinárias e perigosas com um mínimo de material. No entanto, até Bond para construir uma bomba, por exemplo, precisa de uma mola, um parafuso e um chiclete. No caso dos nossos “Bonds” da saúde faltam-lhes, muitas vezes, o mínimo de material. Sendo assim muito mais difícil realizar as tarefas extraordinárias e perigosas do dia-a-dia de um Pronto-Socorro.
Talvez analogia com bomba não seja das melhores porque a idéia não é destruir, não se defende aqui a destruição do Sistema Único de Saúde. Muito pelo contrario, construir, ampliar, e urgentemente melhor administrar.
 O sistema já tem problemas, levando em conta a verba que é repassada pelo governo federal (que é insuficiente e consegue ser reduzida ano após ano). Pior ainda, se os administradores municipais não gerenciarem a saúde com a concepção de prioridade que o tema precisa, nossos corredores estarão mais cheios e nossos “Bonds” estarão trabalhando por 10, 20 e não por três. Em suma, a sobrecarga atual já é absurda, e a depender das administrações, pode piorar.

Julio Domingues é professor de Sociologia e candidato a Vice-Prefeito de Pelotas pelo PSOL.

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